segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

As Mineiras

AS MINEIRAS

Carlos Drummond de Andrade

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar sensual e lindo ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde.
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: ‘pó parar’).

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço.

Pouco importa que seja um juiz de direito, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço. Faz sentido.

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: ‘cê tá boa?’ Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo ‘mexer’, para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse “aqui” é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, “olá, me escutem, por favor”.
É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem “apaixonado por”. Dizem, sabe-se lá por que, “pêxonado com”.
Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: “Ah, eu pêxonei com ele…”. Ou: “sou doida com ele” (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas “com” alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de “bonitim”, “fechadim”, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: “E aí, vão?”. Traduzo: “E aí, vamos?”.

Não caia na besteira de esperar um “vamos” completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.

No supermercado, não faz muitas compras, ele compra “um tanto de cosa”.
O supermercado não estará lotado, ele terá “um tanto de gente”. Se a fila do caixa não anda, é porque está “agarrando” [aliás, “garrando”] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado. Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro “caça confusão”. Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele “vive caçando confusão”.

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: “Ô, é sem noção”. Entendeu leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do “tanto de bom” que é.